Eu, nós e o meu Comandante

Tomei conhecimento, nos últimos dias, do falecimento do Sua Excelência o General Tomás George Conceição e Silva, com 88 anos.

Tive o alto privilégio de conviver com ele durante muitos anos. Uns de maior (muita) proximidade e outros de menor.

Foi o meu comandante!

Como tal foi justo, integro, sério, excelente condutor de homens, disciplinado e disciplinador, pacificador, determinado e… amigo.

Tivemos uma relação de muita amizade e de sã convivência sempre no respeito hierárquico muito mais consentido que nunca imposto.

Mas tudo poderia ter começado mal. Sobretudo para mim.

Era o dia 11 de novembro de 1974 e foi a data que me determinaram para apresentação na Base Aérea N.º 7, São Jacinto, depois de ter gozado dez dias de férias, fruto de ter regressado de Moçambique onde, em Tete, cumpri a minha comissão de serviço na Guerra do Ultramar.

Feitos todos os procedimentos de apresentação ao serviço e depois de ainda ter comido umas castanhas aproveitei para me “baldar” mais cedo e optar pela boleia para apanhar o comboio em Ovar com destino a Valadares.

Fardado e à boleia não é propriamente regulamentar conforme me tinha explicado, pessoalmente, o Tenente Coronal Tomás…

Ao longe um carro preto aproxima-se e há que esticar o polegar. Era um mercedes. Que abrandou.

Olhei e vejo que o condutor tem uns galões de Coronel.

­­Pensei:

-Já meti os pés. Isto não está a começar muito bem.

- Boa tarde nosso Cabo.

- Boa tarde Senhor Coronel. Peço desculpa, nunca pensei…

- Éh pá não há problema nenhum. Para onde vai?

- Para a estação de Ovar.

- Sente-se. Eu vou para Lisboa, mas deixo-o lá mais à frente.

- Obrigado Senhor Coronel.

Arrancamos por aquela estrada fantástica, a imitar um carrossel e lá fomos falando… O que faz, de onde veio, que pensa disto, depois vai sair. Enfim uma conversa para embalar até à Ponte da Varela que era o desvio para Lisboa e onde eu pensava apear-me.

Passamos a Ponte da Varela e o Senhor Comandante:

- Éh pá são só mais vinte minutos e já o deixo na estação.

- Muito obrigado Senhor Comandante.

Chegados à estação de Ovar agradeci e desejei boa viagem e até uma próxima.

Foi assim que conheci um dos militares que mais me influenciaram na vida.

A história poderia acabar aqui. Mas ainda tem mais alguns desenvolvimentos.

Um irrelevante. Passados tempos, era eu dos membros da Direção do Bar dos Especialistas ouço a bater à porta do Bar. Era o Comandante a pedir licença para entrar e tomar o pequeno almoço.

Ficamos preocupados porque o Comandante era vegetariano e os queques tinham formigas… aqueles queques que estavam sempre em cima do frigorifico…

Entretanto e por via do então Processo Revolucionário Em Curso (PREC) foi desenvolvido um grupo de assessoria ao Comando que se denominava como Gabinete de Esclarecimento e Bem Estar (GEBE) que era constituído por dois Oficiais, dois Sargentos, dois Especialistas e um Praça que semanalmente reuniam com o Comando para dar sugestões e receber informação.

Passou a ser uma relação muito próxima e de grande conhecimento mútuo que decorreu no tempo.

No dia 25 de novembro de 1975 fui chamado, pessoalmente, ao Comandante.

Foi-me solicitada toda a minha colaboração para sensibilizar os Especialistas para a missão que se iria desenvolver durante toda a noite e madrugada que consistia em operacionalizar tudo quanto tivesse asas. E assim foi. Os Especialistas deram uma resposta cabal e determinante para que no dia 26 quase quatro dezenas de T- 6 sobrevoassem o país garantindo que a Força Aérea Portuguesa estava operacional ao contrário das notícias da véspera. Éramos dois, mas apenas eu fui chamado em representação dos Especialistas.

Essa noite passei-a com o Manuel Amaral na Ponte da Varela a impedir que uma coluna de paraquedistas não passasse em direção ao AM 1. E não passaram…

Uma recordação que tenho do meu Comandante foi quando apoiou os Especialistas na divulgação por diferentes bases do nosso caderno reivindicativo que concorria com outros pouco pragmáticos e mais radicais. Colocou-nos meios aéreos para nos deixar, vários elementos, em diversas unidades para explicar o que pretendíamos. Em algumas Unidades as coisas não correram lá muito bem e tivemos de ser escondidos e sair pelas traseiras que o digam o Amaral e o Ferreira de Castro. Mas valeu a pena e o nosso caderno foi aprovado pelo então CEMFA General Lemos Ferreira e trouxe vantagens, sobretudo económicas, aos Especialistas.

Cogitando sobre tudo quanto se tinha passado num espaço tão curto de tempo entendi que todo aquele empenho, amizade, espírito de pertença ao Especialista não se podia perder. E então propus no Clube de Especialistas que fundássemos uma Associação de Especialistas para nos mantermos por perto e coesos. Tínhamos que ter o apoio de alguém por que havia custos e autorizações para pesquisas e envio de correspondência.

Propus a ideia ao meu Comandante.

- Éh pá, força. Oh Castro o que for precisando diga.

Dito e feito.

Recurso às ordens de serviço procurando os domicílios de todos quantos tinham passado à disponibilidade, envio de correspondência, publicitação em jornais e eis que em 27 de março de 1977 com a presença de uma centena de Especialistas é fundada na Praia da Aguda, Vila Nova de Gaia, a Associação de Especialistas da Força Aérea.

O meu Comandante foi convidado, mas não pôde ir. Em sua “representação” veio o Chefe de Gabinete do Chefe de Estado Maior da Força Aérea, Brigadeiro Moura de Carvalho.

Fui eleito para a Comissão Instaladora e como militar no ativo tive de pedir a devida autorização superior coisa que não foi muito bem vista lá pela Esquadra de Pessoal. “Eu a si tinha vergonha” disse-me o velho Capitão Duarte. Deferência diferente foi quando me comunicou que o CEMFA me tinha autorizado a integrar a Comissão Instaladora.

Ainda no ativo o meu Comandante disse-me que tinha uma audiência com o CEMFA para explicar ao CEMFA o que visava a Associação. E lá fui eu e o saudoso Rodrigo.

A partir dessa audiência tivemos sempre o apoio da Força Aérea Portuguesa graças ao meu Comandante.

Continuou a ser nossa amigo enquanto Diretor do Instituto de Defesa Nacional com quem elaboramos inúmeras conferênciase outro eventos.

Continuou nosso amigo enquanto Ministro da República na Região Autónoma dos Açores.

Continuou nosso amigo enquanto Chefe da Casa Militar do Presidente da República, Dr. Mário Soares.

Continuou nosso amigo enquanto exerceu as funções de Chefe de Estado Maior da Força Aérea.

Continuou nosso amigo depois de ter exercido as funções de CEMFA.

A Associação de Especialistas da Força Aérea perdeu alguém que esteve no antes e no durante da vida da nossa Associação.

Perdi o meu Comandante, perdi uma referência da minha vida, perdi um amigo.

Até sempre meu Comandante.

 

 

Paulo Castro

31 de maio de 2021


31 de maio de 2021


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