A Associação de Especialistas da Força Aérea sente-se muito honrada pelo facto de na obra agora lançada por ocasião do 65º aniversário da Força Aérea Portuguesa, “65 anos a servir Portugal e os portugueses”, uma das sessenta e cinco personalidades convidadas a apresentar o seu testemunho, ser o nosso Presidente da Direção Nacional, Paulo Castro.
Nesta obra fica de forma marcante e indelével o pensamento individual, é certo, mas que será muito análogo ao da esmagadora maioria dos nossos associados, senão mesmo igual.
O presidente da Direção Nacional desenvolveu o tema. “Ensaio sobre o sentido de pertença ou o “espírito intrínseco do especialista” verificável a páginas 61 da obra.
Publicamos aqui o conteúdo deste ensaio.
Na matriz fundacional da Associação de Especialistas da Força Aérea está estampado o sentido de pertença à Força Aérea Portuguesa. A escritura fundacional prevê no seu Art-º 4º, N.º 3: “A congregação de todos os antigos e atuais Especialistas possibilitando-lhes, além do expresso nos números anteriores, a possibilidade de desenvolvimento cultural, convívio, treino físico e apoio social, como forma de manter vivo o espírito intrínseco do Especialista da Força Aérea.”
Se os fundadores optaram pelo conteúdo supra importa interpretar um conceito fundamental que é o espírito intrínseco e se dentro dele cabe o sentido de pertença.
Para esta abordagem poderíamos divagar pelas áreas das ciências sociais como a sociologia ou a psicologia. Outras abordagens seriam permitidas como, por exemplo, a demografia. Talvez que por aqui se tirassem algumas ilações que nos poderiam suportar a tese de que o sentido de pertença é algo enraizado em determinadas gerações. Teríamos de analisar os “Baby Boomers”, a “Geração X” ou os “Millennials”, estes superiormente explanados por William Strauss e Neil Howe em “Millennials Rising: The Next Great Generation”, mas a análise, irrefutavelmente, conduzir-nos-ia a abordagens de teor histórico/cultural.
Acreditámos, então, que não será o mais avisado seguir pela via científica para podermos desconstruir o espírito intrínseco ou o sentido de pertença dada a multiplicidade de variáveis que teríamos de equacionar.
Aliás, acreditámos mesmo que os sentimentos, a serem expressos, deverão sê-lo suportados no empirismo.
Faz tempo, quase quatro décadas, que escrevemos um pequeno texto, com uma vertente doutrinal e promocional, mas que não perdeu, nem nunca perderá atualidade.
Lê-se:
“Fomos Especialistas na Força Aérea!...
Lá, tivemos um «modus vivendi» que caracterizou, vincou e prestigiou toda uma classe que muito garbosa, digna e honrosamente soube pertencer à Força Aérea Portuguesa, prestigiando-a.
Os verdes anos, a irrequietude, a novidade, a irreverência, a iniciativa e a personalidade incitou-nos para uma forma diferente de ser militar.
O nível cultural que nos era exigido para ingresso fazia-nos merecer, legitimamente, um tratamento diferenciado.
Os conhecimentos tecnológicos que nos foram ministrados, aliados ao facto de trabalharmos em aviões, dotava-nos de uma certa gloríola.
Por tudo isto e por muito mais, soubemos sempre manter uma situação militar por muitos invejada.
Porque no cômputo geral gostamos de ter servido a Força Aérea...
Porque queremos manter vivo o espírito que sempre nos norteou...
Porque muito temos para dar em termos de divulgação aeronáutica e Defesa Nacional...
Porque seremos sempre uma força cultural jovem e sem objetivos político-partidários...
Porque sentimos orgulho em ter pertencido à F. A. P....
Fundamos uma Associação que historicamente nos seria exigida.”
Verbalizar sentimentos pode ser tarefa árdua, mas ortografar torna-se bem mais complexo de onde será sempre necessária mais uma ou outra nota explicativa.
A Força Aérea Portuguesa deu a possibilidade de desenvolvimento cultural, social e profissional a muitos jovens de várias gerações deste país e de diferentes territórios. O reconhecimento destes pressupostos traduz-se numa dívida de gratidão que se consubstancia na necessidade de um sentido de pertença.
As instituições não nascem feitas, elas são trabalhadas por pessoas, de carne e osso, que ao longo dos anos, sessenta e cinco no caso vertente, a souberam sustentar sempre no auge da operacionalidade, da disponibilidade, no bem servir a um povo e a um país.
Nós fizemos parte desse desenvolvimento, num enorme crescendo tecnológico, num enorme espírito de comprometimento e seriedade. Trabalhávamos com máquinas de ultima geração, mas também lidávamos com pessoas. A nossa imberbe juventude foi como que num ápice transformada numa pesada responsabilidade que muito orgulhosamente soubemos corresponder e ajudar a Força Aérea Portuguesa a ter a imagem que hoje, a todos, nos continua a orgulhar.
O sentido de pertença tem a faculdade de ser bidirecional: eu pertenço-te, mas tu pertences-me. É neste quadro que funcionam as relações mesmo que desmaterializadas.
Algumas gerações terão tido aditivos mais relevantes para consolidar o espírito intrínseco e sentido de pertença. Falo daquelas que combateram na Guerra Colonial. Aí, tudo quanto é sentimento, foi exponenciado: a amizade, a solidariedade, a cumplicidade, a responsabilidade, a disponibilidade e a prontidão, são alguns exemplos. Tudo isso nos fez mais homens, melhores cidadãos e tudo mais precocemente.
O cumprimento do dever foi um apanágio de uma classe que muito cedo se viu entregue a si própria e que aprendeu a transformar as pequenas mordomias domésticas em risco, em perigo e em entrega total à missão que nos era confiada. Daí que nos sintamos orgulhosos do dever cumprido e de poder constatar que os nossos continuadores nos conferem a certeza de termos cumprido bem, por que a Força Aérea Portuguesa continua a honrar-nos e nós continuamos ciosos de poder afirmar com vaidade e orgulho: eu fui Especialista, eu estive na Força Aérea, eu fui aviador...
Ou, num outro plano mais ideológico, como gostamos institucionalmente de afirmar: “Uma vez especialista, especialista sempre”, isto é, “Ex mero motu”.
21 de julho de 2017