Mar da Palha

Foi a primeira vez que o vi. Logo à entrada, mal acabara de ultrapassar a porta do hangar: Azul-marinho pesado, fosco, a dar ideia de empinado na roda de cauda, as asas dobradas por cima da fuselagem, o motor lá em cima, enorme, parecia inacessível.

Não era um avião bonito. Grande, robusto, desajeitado, o Helldiver era, no entanto, um verdadeiro avião de guerra. E eu, embora com 18 anos era militar de carreira. O Helldiver estava a fascinar-me. Lembro-me de ter pensado: “O tipo de aparelho que eu gostaria de trabalhar”.

Sem saber porquê, mas sem ser pelo número de ordem, nem pela classificação no curso, alguns minutos depois tinha sido um dos indigitados a receber as primeiras luzes no pesado bombardeiro de mergulho.

Nota: Embora não se consiga perceber na foto, este aqui, ao lado do avião, sou eu, Aniceto Carvalho. Em pose, naturalmente... a entrada para a cabina era do lado esquerdo do aparelho.


Tínhamos chegado no dia anterior ao então Centro de Aviação Sacadura Cabral. Primeiro dia de Dezembro de 1953. Era feriado. No dia seguinte iríamos ter a oportunidade de mostrar o que tínhamos aprendido durante um ano de curso na Escola Militar de Aeronáutica.

A esquadra tinha cerca de 20 Helldiveres, dos quais uma boa parte voava todos os dias, com um ou dois normalmente em manutenção.

Comigo, com mais três pequenos “sábios” como eu acabadinhos de sair do curso, dois furriéis ex-cabos da Aviação Naval, e o 2º. sargento Pinho a chefiar, o “staff” da manutenção dos Helldiveres ficou completo.

No papel, claro. Quando os dois furriéis repararam que já tinham quem fizesse o trabalho por eles nunca mais ninguém os viu… de nada adiantou ao sargento esganiçar-se em cima da asa a chamar por eles.

Não havia nada a fazer. Tínhamos de aprender… E depressa.

O Pinho era um “artista”, levava-nos onde queria: Ensinava-nos como se fazia, virava as costas, regressava depois a verificar se tudo estava feito como ele tinha mandado. Liberdade, responsabilidade. Resultou. Meses depois éramos nós que púnhamos os aviões na rua, e… o máximo!... que lhes fazíamos o ponto fixo após a inspecção. Pelo meio, paródia, claro… até na hora de trabalho: Tudo valia a pena por um voo no lugar de trás do Helldiver a rapar praia fora ou a visitar a família na parvónia.

Curtiss SB2C-5 Helldiver pilotado pelo Sr. Comandante Cyrne de Castro por ocasião da visita do Presidente do Brasil em 1955, vendo-se as forças em parada no Terreiro do Paço
Fotografia: Página da Aviação Naval (Facebook)

Em finais de 1956 os Helldiveres regressaram a Aveiro de onde tinham saído quatro anos antes. Nós partimos para outra.

Aniceto Carvalho
MMA
1952


29 de janeiro de 2017


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